quarta-feira, 26 de novembro de 2008

É a Internet, estúpido!

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Coutinho, do Ibope: Obama não é apenas símbolo da transformação, mas também filho

Coutinho, do Ibope: Obama não é apenas símbolo da transformação, mas também filho.



Por Marcelo Coutinho*

Em 1992 Bill Clinton venceu Bush (pai) em uma eleição ficou marcada por um bordão de James Carville, então marqueteiro do candidato democrata: “é a economia, estúpido”. Segundo ele, a frase sintetizava a principal motivação do eleitor para a mudança, depois de 12 anos de governo do partido Republicano.

Claro que é forçar a barra dizer que a Web foi a responsável pela vitória de Obama. Mas a forma como ela foi utilizada nesta eleição mostra o entendimento de uma importante mudança geracional nos EUA e, em pouco tempo, no mundo. O novo presidente não é apenas símbolo, mas também filho desta transformação: nascido em 1961, Obama simplesmente não teve que explicar o que estava fazendo nos momentos mais polêmicos da história americana recente: a guerra do Vietnã e a aprovação do aborto pela Suprema Corte em 1973. Estes fatos que marcaram todas as eleições naquele país desde o final dos anos 60. Mas ele era uma criança quando tudo isso aconteceu, o que reforçou sua mensagem de “mudança”.

A verdadeira história sobre a campanha de Obama não é sobre os milhões obtidos em pequenas contribuições pela Internet. Dos cerca de U$ 750,7 milhões arrecadados pelo democrata, estima-se que cerca de U$ 300 milhões vieram de pequenas doações na Web. Embora diversas matérias na mídia tradicional mencionem que este número pode estar inflado por grandes doadores “disfarçados”, mesmo que ele tenha conseguido metade disso via pequenos doadores na rede, ainda assim é um resultado impressionante.

Mas este resultado não “compraria” possivelmente nem um décimo do tempo de trabalho que seus simpatizantes dedicaram a campanha pela rede, seja enviando emails para amigos e conhecidos, seja imprimindo listas de eleitores registrados na sua rua, organizando reuniões em suas casas ou conseguindo números de telefones para ligar para os indecisos na reta final da campanha, obtidos através do site www.mybarackobama.com (este vídeo explica as ferramentas do site).

O novo presidente compreendeu muito cedo que a Web oferecia uma forma rápida e barata de organizar interesses difusos dos que estavam insatisfeitos com o governo de Bush júnior. Já em 2006, ainda senador por Ohio, seus assessores estavam em contatos com figuras conhecidas do Vale do Silício, buscando entender melhor como as novas tecnologias poderiam ser usadas para organizar movimentos comunitários de base (“grassroots” no jargão político americano). Vale lembrar que o então senador desenvolveu toda sua carreira política com base na organização destes movimentos.

As tecnologias sociais da Web já haviam sido usadas na eleição anterior, em 2004, por Howard Dean, que apesar de perder a indicação democrata para John Kerry conseguiu sair da obscuridade para o estrelato político graças ao uso da rede. Mas naquele momento muitas das tecnologias colaborativas como blogs e sites de redes sociais estavam na sua infância. O YouTube, então, nem existia. Essa evolução explica o fato de que em 2008 33% dos eleitores americanos apontaram a Web como uma de suas principais fontes de informação, contra 10% em 2004, de acordo com o Pew Internet and American Life Project, que desde 1996 acompanha o uso da rede nas eleições americanas.

Ainda em 2007, quando o YouTube e a CNN organizaram os primeiros debates online entre os candidatos democratas, a campanha já oferecia diversas ferramentas de contato, inclusive via telefones celulares, além de “profiles” no MySpace e Facebook. Neste último, Obama contabilizou 3,1 milhões de “amigos” (McCain ficou com 609 mil).

Mas a diferença fundamental da campanha de Obama em relação a outras iniciativas eleitorais que já tinham alcançado algum sucesso na Internet foi a de que ele construiu uma estrutura de comando centralizado com execução descentralizada. Ou seja, ao invés de simplesmente marcar presença nas redes sociais, nos blogs ou no YouTube, aproveitando estes espaços para remeter o internauta para o site “oficial” da campanha, a equipe digital de Obama (com cerca de 30 integrantes “full-time”, segundo fontes extra-oficiais) colocou estas tecnologias no centro do seu esforço de comunicação e organização, ajudada por um dos fundadores do Facebook, Chris Hughes. Essa “organização” de movimentos sociais e políticos por natureza caóticos, extremamente difíceis de gerenciar de forma tradicional (cabos eleitorais, comitês, distribuição de “benesses” de natureza variada, etc) foi a grande sacada da campanha, reforçando o apelo da possibilidade de mudanças serem realizadas pelas “pessoas comuns” (“Yes we can”).

O uso das tecnologias sociais da Web 2.0 vai transformar a maneira como as campanhas são feitas e a maneira como são cobertas pela mídia. O presidente eleito dá uma clara demonstração deste entendimento, ao anunciar no último dia 17 que irá fazer seus discursos através do canal ChangeDotGov, no YouTube (o primeiro discurso, sobre a reunião do G20, já está lá, com 760 mil visualizações em 24 horas…)

É importante notar que não se trata de substituir uma mídia pela outra, mas sim de estratégias que utilizam um mecanismo de “eco” no qual ações em uma mídia ou rede social se reforçam mutuamente, estratégia já utilizada por Joseph Goebbels na Alemanha Nazista (com outros meios e fins, obviamente). O próprio Obama comprou 30 minutos de tempo nas principais redes comerciais americanas na reta final da campanha, no que se tornou possivelmente o mais caro comercial político do mundo.

A campanha de Obama é apenas a ponta de um iceberg que vai transformar processos de informação política (e não apenas eleitoral) em todo o mundo. Um bom exemplo é a história de uma universitária americana que este ano gastou 50 dólares em comerciais no Facebook e foi eleita para o cargo “tesoureira” da sua cidade. É claro que ainda estamos distantes desta realidade no Brasil, onde apenas 25% dos eleitores possui acesso. Estudos com base na experiência americana e européia mostram que de maneira geral a rede precisa atingir cerca de 50% dos eleitores para influenciar de forma significativa o resultado final de uma eleição. Não vamos atingir este número em 2010. Mas o poder da rede se fará sentir através de blogs, sites de comunidades e sites de compartilhamento de vídeo. Quem digitar, e votar, verá…

* Marcelo Coutinho é diretor do IBOPE Inteligência e professor do curso de mestrado em comunicação da Fundação Cásper Líbero

Fonte: Conversa Afiada

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