terça-feira, 25 de novembro de 2008

Em compasso de espera

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“Nação” e “povo” – eis palavras que estão de volta. Na verdade nunca deveriam ter saído do vocabulário acadêmico, o que não quer dizer que seu significado deva ser aceito sem discussão. Mas foram palavras que viraram anátema, várias vezes.

O mundo entrou em compasso de espera. A crise financeira continua mordendo a solta: alguns milhares de empregos ali, alguns milhões aplicados acolá. Mas se esperam as definições da equipe e dos rumos do governo de Barack Obama. No momento, o novo presidente eleito vai dando umas no cravo, outras na ferradura. Nomeou um economista conhecido por declarações conservadoras (o que não quer dizer que ele seja conservador), Timothy Gerthner, para sua equipe preferencial, ao lado de Lawrence Summers. Duas mulheres – Christina Rommer e Melody Barnes – não tão conservadoras. Prometeu criar 2,5 milhões de postos de trabalho em pouco tempo. Disse que as montadoras automobilísticas devem apresentar um programa de recuperação antes de se candidatar a recepção de verbas federais. Disse que vai investir em “energia verde” e em infra-estrutura. Vamos ver.

Percorrendo a leitura desses programas e promessas na internet, me sobrevém um sentimento de nostalgia. Leio as páginas dos grandes jornais brasileiros e o tratamento que dão a Obama. Não consigo deixar de pensar: quem dera dessem um tratamento tão civil ao nosso presidente Lula, por exemplo. Ou ao presidente Chavez, ou Evo Morales, ou Rafael Correa, e assim por diante. Não. Para o presidente negro dos EUA, destaque, pompa, circunstância, e até lantejoulas. Para os presidentes do nosso (sub)mundo, pois (assim) é que nos vêem, pau e degradação. Ótimo. Justo. Para “nosotros”, desprezo e ridicularia. Como na foto que a FSP ostentou outro dia, de Lula falando com Meirelles, no encontro pré-G20, quando Lula estava com as pálpebras a meio pau do olho. Uma vergonha, a publicação da foto.

Um detalhe interessante chama a atenção, dessa vez para o pensamento acadêmico. “Procurei líderes(...)” disse Obama ao explicar suas indicações, “que compartilham comigo a crença de que não podemos ter uma Wall Street próspera enquanto Main Street padece; de que neste país nós nos erguemos e caímos como uma [única] nação, como um [único] povo”. Os [únicos] ali estão por necessidades de tradução: “as one nation, as one people”.

“Nação” e “povo” – eis palavras que estão de volta. Na verdade nunca deveriam ter saído do vocabulário acadêmico, o que não quer dizer que seu significado deva ser aceito sem discussão. Mas foram palavras que viraram anátema, várias vezes. Nos anos 60, porque eram burguesas. Hoje, porque supostamente “escamoteiam as diferenças”. Mas não deixaram a praça pública. É melhor refletir sobre elas do que esquece-las.
Só assim é possível entender o que une a vitória de Hugo Chavez nas eleições venezuelanas e a de Barack Obama nos Estados Unidos. E as outras: Evo Morales, Rafael Correa, Cristina Kirchner, Tabaré Vasquez, Bachelet... e Lula. Há uma recuperação da palavra “povo” no ar, e no sentido latino-americano: pueblo, povão, muito diferente, por exemplo, do germânico “Volks”, que chama para uma pureza de raiz muito distinta da mistureba que preside aquelas palavras do nosso continente. A nossa palavra “povo” lembra muito mais o “allons enfants de la patrie...” da Marselhesa de 1789 do que outra coisa.

E isso a nossa mídia conservadora, e seu vocabulário não conseguem engolir. O curioso é que muita gente que se pensa à esquerda também não consegue sequer cheirar, quanto mais engolir. Porque o problema do povo, como dizia um amigo meu, é que ele é muito popular. E pasmem, de vez em quando tem idéias próprias.

Assim, no momento, estamos todos em compasso de espera. Não só porque a crise grassa e Obama vai nomeando nomes para serem decifrados, mas também porque um novo fenômeno arribou na cena política: nos Estados Unidos, “o povo”, jovens, militantes, crentes e descrentes, os marginalizados pelo “exterminador de futuros”, George Bush filho. E na Venezuela também. Há mais em comum entre Barack e Chavez do que se pode pensar a princípio. E a história vai demonstrar isso, nem que seja puxando pelos cabelos. Por que em muita gente vai doer, e não só da direita.

*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.

Fonte: Agência Carta Maior

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