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A luta contra o neoliberalismo na América Latina depende de que os governos atuais consigam eleger seus sucessores, mas, principalmente, que dêem passos efetivos para sair do modelo neoliberal, promovendo a prioridade do social contra a do ajuste financeiro e consolidando os avanços dos processos de integração continental.
por Emir Sader
A luta contra o neoliberalismo já tem história na América Latina. No mesmo ano, 1994, em que os EUA, o Canadá e o México assinavam o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e FHC ganhava as eleições no Brasil, os zapatistas faziam sua rebelião em Chiapas e lançavam um grito pela luta contra o neoliberalismo, a economia mexicana sofria a primeira crise do novo modelo, tendo que ser imediatamente atendida por um empréstimo gigante por parte de Washington. Já se podia ver que o novo modelo tinha fôlego curto.
Quatro anos depois, Hugo Chávez era eleito presidente da Venezuela, prometendo combater o modelo dominante, em Seattle explodiria um ano depois a rebelião popular contra a OMC e dois anos mais se organizaria o primeiro Fórum Social Mundial. A série de eleições de presidentes latino-americanos eleitos como rejeição dos governos ortodoxamente neoliberais - casos de Menem, FHC, Lacalle, Sanchez de Losada, Lucio Gutierrez, entre outros - mudou a fisionomia política da região, gerando a maior quantidade simultânea de presidentes progressistas que o continente havia conhecido.
Processos novos de integração surgiram e antigos foram retomadas e ampliados, gerando o único espaço mundial de integração relativamente autônomo em relação aos EUA, enquanto governos davam passos claros de construção de modelos pos-neoliberais e outros flexibilizavam o modelo herdado.
Pega de surpresa pela tônica nas políticas sociais - vítimas privilegiadas dos governos neoliberais - que os novos líderes acenavam, a direita passou à defensiva. Órfã de um poder imperial, carente de políticas para o continente, retrocedeu para reagrupar-se na defesa de seus espaços estratégicos. Defesa da imprensa privada como seu espaço estratégico, porque dali poderiam dirigir política e ideologicamente as forças opositoras, bancos centrais independentes, defesa contra reforma agrária que afeta o poder sobre a terra, luta contra políticas tributárias que recortem seus lucros com ações redistributivas, resistência contra qualquer forma de regulação estatal, contra qualquer forma de fortalecimento do Estado - tais pontos passaram a ser a plataforma da direita, uma plataforma basicamente defensiva das imensas conquistas que havia logrado com os governos neoliberais.
Como não constitui um projeto alternativo de governo - a campanha de Alckmin demonstrou como sua proposta é de restauração da ortodoxia neoliberal apenas -, não aparece como inovação, apenas tenta bloquear a capacidade de governar dos presidentes atuais e diminuir os efeitos altamente populares das políticas sociais.
Depois da derrota de Chávez no referendo de novembro passado, e da derrota de Cristina Kirchner na tentativa de elevar os impostos sobre exportação agrícola neste ano, o triunfo espetacular de Evo Morales no referendo boliviano, a vitória eleitoral de Fernando Lugo, a perspectiva de triunfo de Maurício Funes, da Frente Farabundo Marti nas eleições presidenciais de março em El Salvador, o apoio popular acima de 70% de Lula, os avanços da nova constituinte no Equador, com perspectivas de alta aprovação no referendo popular, abrem nova etapa na luta contra o neoliberalismo no continente.
Essa luta dependerá de que os governos atuais consigam eleger seus sucessores, mas, principalmente, que dêem passos efetivos para sair do modelo neoliberal - promovendo a prioridade do social contra a do ajuste financeiro - e consolidando os avanços dos processos de integração continental. Disso depende o futuro do continente ao longo de toda a primeira metade do novo século - um futuro pós-neoliberal, baseado na solidariedade e no humanismo, superando as políticas fundadas no dinheiro, nas armas e no monopólio da palavra.
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense (01/09/2008)
Emir Sader é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".
Fonte: Agência Carta Maior
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