quinta-feira, 24 de julho de 2008

O fantasma Dantas

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por Guilherme Scalzilli

A fábula Satiagraha anuncia uma longevidade que ultrapassa os limites dos mandatos vigentes e talvez até das prescrições legais. Parece obra fechada, mas ainda faltam investigações, depoimentos, providências do Ministério Público e um interminável processo legal, com recursos e protelações.
É virtualmente impossível conhecer todos os detalhes do caso. O inquérito parcial ultrapassa as seis mil páginas. Em alguns meses, esse volume dobrará. Salvo uma ou duas obviedades de fácil percepção, a complexidade do enredo escapará ao entendimento do público leigo. Há remessa ilegal de dinheiro, espionagem, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, além de inúmeros desvios éticos e funcionais que a Lei qualifica, mas cujas existências os mortais ignoram.
O poder coercitivo de Daniel Dantas não se compara ao de outros banqueiros e empresários muito mais bem sucedidos e influentes na política nacional. Ele talvez seja caso singular de empreendedor particularmente inescrupuloso e venal, mas nem assim chega aos pés de outros conhecidíssimos e antigos malfeitores ainda em atividade.
Sua especificidade, aparentemente, foi empreender uma cruzada vingativa contra o núcleo do governo Lula (ou contra o próprio presidente), cooptando ou prejudicando alguns de seus célebres apoiadores nos meios empresarial e midiático. Há algo muito esquisito no aspecto eminentemente pessoal e quase nunca técnico dos embates pró e anti-Dantas, cujas motivações permanecem obscuras. Seria prudente esperar que estas sejam reveladas antes de engolir qualquer versão.
Parece mínima a perspectiva de que os acusados (especialmente a família Dantas) sejam efetivamente punidos por qualquer irregularidade. O inextrincável leque de variáveis fragiliza o inquérito, permeando-o de excrescências jurídicas e irregularidades processuais que os bons advogados de defesa saberão aproveitar. Mas a maior razão para a previsível impunidade reside no envolvimento de uma gama inacreditável de autoridades e empresas com o fantasma Dantas.
Dizer que o escândalo “atingiu a ante-sala de Lula” reproduz uma mentira bocó. Só mesmo a imprensa paulistana, em sua histeria conservadora, acredita que as relações de Dantas com petistas e tucanos foram equivalentes.
As digitais do empresário estão grudadas nas privatizações e licitações dos governos FHC, nas conexões baianas do PFL-DEM, na Polícia Federal, no Legislativo e no Judiciário (inclusive no ilibado STF), nos governos José Serra e Gilberto Kassab, em Fernando Collor e Paulo Maluf, nas revistas Veja e IstoÉ, na rádio CBN (Globo) e na Folha de São Paulo. Nomes do primeiro escalão do PSDB estão diretamente envolvidos com Dantas, como Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende, Elena Landau e Pérsio Arida. Dantas tem ou teve relações com o Citibank, a Odebrecht, o Bradesco e a Kroll, para não citar dezenas de parceiros diretos do grupo Opportunity.
Isso tudo é apenas a crista do iceberg, a limitada parcela conhecida e juridicamente provável do esquema, sempre restringindo a análise à figura de Daniel Dantas e esquecendo momentaneamente de Naji Nahas e Celso Pitta. A oposição, partidos e imprensa inclusos, está em pânico. Os eventuais danos à imagem do governo Lula são mínimos perto da catástrofe desmoralizadora que uma verdadeira investigação causaria. Se cair, Daniel Dantas puxará consigo a cortina de hipocrisia e cumplicidade que protege alguns dos interesses mais poderosos do país e esconde as verdadeiras disputas político-eleitorais em curso.
E a situação é muito pior do que parece, dado o silêncio de alguns comentaristas e o inesperado, súbito e revelador apoio recebido por Dantas, Diogo Mainardi & Cia na blogosfera, na imprensa e até no Congresso Nacional. Vem aí o mais escandaloso episódio de abafamento, ocultação e impunidade da história brasileira republicana.

Fonte: Blog do Scalzilli

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