sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

A peste da radicalização - por Alon Feuerwerker - fonte: http://blogdoalon.blogspot.com/

A peste da radicalização (14/12)

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje (14/12/2007) no Correio Braziliense:

O PSDB deveria ter apresentado alternativas ao financiamento do SUS, se de fato considerava essencial derrubar a CPMF. Ficou evidente que a disputa interna dos tucanos pelo poder imobilizou-os e impediu que agissem de acordo com suas próprias convicções alardeadas

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

Quase vinte anos atrás, um grupo de constituintes identificado com a saúde pública conseguiu uma grande vitória: incluir na Constituição o direito universal à saúde e definir que o estado é o responsável por tirar esse direito do papel e transformá-lo em realidade material para o cidadão comum. Nascia o Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, como em tudo na vida, a boa idéia só decolou quando definiram quem pagaria a conta. Nessas duas décadas, o país passou a char razoável que se recolhesse das transações financeiras um percentual mínimo para financiar esse direito universal. Daí a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

O sistema ficou redondo quando, alguns anos depois de criada a CPMF, uma emenda constitucional determinou que a saúde deveria obrigatoriamente receber a cada ano o incremento de recursos correspondente à elevação do Produto Interno Bruto. Quem estiver interessado, e dispuser de tempo para pesquisar, detectará em cada um desses momentos de construção do SUS a presença de políticos que hoje militam nas fileiras do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Mais destacadamente, o ex-senador constituinte e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o seu principal ministro da Saúde, José Serra. Com eles, a Saúde adquiriu status superior aos demais ministérios. Em vez de o titular da área ficar mendigando recursos no Congresso (na elaboração do orçamento) e no Palácio do Planalto (na execução), passava a ter dinheiro garantido pela Constituição, proveniente de um imposto-contribuição praticamente insonegável.

Eram tempos em que se considerava razoável o cidadão e a empresa com conta em banco tirarem um dinheirinho do bolso para financiar a saúde pública. Ao contrário de hoje, quando parece prevalecer em segmentos mais bem posicionados da pirâmide social brasileira a convicção de que é preferível manter esse dinheirinho no bolso do contribuinte a garantir recursos para o sistema público de saúde. Talvez essa mentalidade já fosse prevalente, da classe média para cima, nos anos em que o SUS se ergueu, mas o ambiente político era outro: bonito era ter consciência social e fazer algo pelos pobres.

É possível que os ventos da opinião pública estejam mudando. Nota-se um certo cansaço, da classe média para cima, com a idéia de o estado prover os mais pobres de direitos à custa de quem paga imposto. Não que os pobres fiquem de fora da cobrança da CPMF, pois também eles desembolsam o dinheirinho a mais, embutido nos preços das mercadorias, pelo assim chamado efeito em cascata da contribuição. Mas, sem dúvida, há outros ventos na sociedade. Eles podem ser sentidos na desenvoltura com que o Bolsa Família, por exemplo, é caricaturizado como se fosse uma esmola. Cada vez mais abertamente.

É possível que tenham sido esses ventos a desempenhar papel decisivo na posição do PSDB, que preferiu jogar pela janela a CPMF a sequer analisar a proposta do governo de, finalmente, destinar todos os recursos da contribuição para a Saúde. Coisa que, aliás, era uma reivindicação do PSDB. Que, paradoxalmente, também pedia a extinção gradual da CPMF. Que o governo também topou, sem tampouco sensibilizar o PSDB. Nesse teatro do absurdo, registrem-se as honrosas exceções do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e do próprio Serra, hoje governador de São Paulo.

Pela sua história, o PSDB (que aliás comanda a Frente Parlamentar da Saúde) deveria ter oferecido previamente alternativas ao financiamento do SUS, se de fato considerava essencial derrubar a CPMF. Ficou evidente, entretanto, que a disputa interna dos tucanos pelo poder imobilizou-os e impediu que agissem mais de acordo com suas próprias convicções — ou com as que alardeiam. São as cicatrizes da radicalização política, essa peste que voltou a infectar a vida política nacional de uns tempos para cá. Falta algo do velho pessedismo nos dias atuais. Falta disposição para o diálogo e para a conciliação. Os antípodas miram antes na destruição do outro do que no próprio projeto. Mesmo que isso implique a própria destruição.

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