sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O mundo se transforma, mas esqueceram de avisar aos barões da mídia - fonte: http://viomundo.globo.com - por Luiz Carlos Azenha

O pós-guerra fria tem se revelado um momento muito mais fascinante, na política internacional, do que se esperava. A desastrosa ocupação do Iraque pelos Estados Unidos acelerou o processo de corrosão do mundo unipolar e provocou a explosão do multilateralismo expressa, por exemplo, no fato de que Hugo Chávez estava um dia em Teerã e no dia seguinte em Paris.

Todas as alianças e facadas pelas costas passam, de alguma forma, pelo acesso à energia, capaz de sustentar o crescimento econômico ao mesmo tempo dos Estados Unidos, da Europa, do Japão e dos países em franca ascensão, como a China, a Índia e o Brasil.

O gráfico abaixo mostra, em verde, a produção de veículos anual; em azul, as vendas de veículos; em cinza, o consumo de barris de petróleo por dia.



Entre 2002 e 2003, a venda de veículos na China aumentou 36%. Já pensaram se o mundo sobreviver à China lotada de automóveis? Já imaginaram como será o rodízio em Beijing?

O petróleo bate em 100 dólares por barril, em Nova York. É o preço mais alto da História. Há uma tremenda "coincidência" entre petróleo caro e recessões econômicas. Mas isso fica para outro dia.

Meu ponto é o protagonismo dos países que detém as fontes de energia. O crescimento espetacular da China e da Índia criou mercados novos para a Arábia Saudita, a Rússia, a Venezuela, a Bolívia e o Chade, na África.

A África merece um capítulo à parte. É onde chineses e americanos travam uma guerra de bastidores pelo acesso ao gás, ao petróleo e a outras riquezas minerais. Os Estados Unidos recém criaram um comando militar especialmente para a África, composto de tropas de deslocamento rápido. Eu mesmo vi, em Serra Leoa, espantado, o estádio de futebol novinho em folha que os chineses construíram em Freetown.

A "explosão multilateral" obedece à mesma lógica que o Brasil, graças à sabedoria do Itamaraty, adotou faz um bom tempo. Reduzir a dependência do país de um mercado só, de maneira a evitar que um espirro nos Estados Unidos se torne imediatamente uma tuberculose por aqui. Graças a essa política, o Brasil mantém os Estados Unidos como um mercado importante, mas não o único. As exportações do Brasil, desde 2002, cresceram mais de 120% e em 2007 já superaram o valor total do ano passado, de U$ 137,5 bilhões.

[Na 3ª semana de novembro, com quatro dias úteis, a balança comercial apresentou exportações de US$ 2,678 bilhões. No ano, as exportações totalizam US$ 139,287 bilhões, com saldo positivo de US$ 35,805 bilhões]

Em números aproximados, os destinos das vendas brasileiras são a Europa (27%), a América Latina (23%), os Estados Unidos (20%), a Ásia (15%) e a África, Oriente Médio e Oceania (15%). O Brasil exporta commodities, mas também manufaturados.

Paises como o México e a Venezuela dependem fortemente do petróleo e são reféns do fato de que têm poucos mercados. É aí que tem se dado a grande mudança. A Venezuela, fornecedora de gás e petróleo para os Estados Unidos, também vai vender para a China e Portugal.

Mas há imensos problemas de logística. Dois terços do petróleo exportado hoje em dia viajam de navio. Da Venezuela à China, passando sob a África, são de 43 a 44 dias de viagem. Se o petróleo fosse embarcado no Panamá, seriam de 24 a 25 dias. Entendeu agora um dos motivos para Chávez ficar bonzinho com o Álvaro Uribe, o vizinho colombiano que está no outro lado do espectro ideológico?

Curiosamente, a mídia brasileira morria de amores por Uribe. Agora, depois da amizade com Chávez, passou a ser taxado de "populista" de direita. Vai entender.

A Venezuela pretende fazer a extensão do gasoduto que liga o país à Colômbia, para que chegue ao Panamá. O projeto reúne líderes de posições políticas distintas: Chávez, Uribe e o panamenho Martín Torrijos.



Do Panamá, os petroleiros venezuelanos poderiam atingir mais rapidamente tanto a Califórnia quanto a China. Uribe leva um troco: exportará petróleo para a Venezuela até 2011, além de engajar Chávez na tentativa de selar a paz com os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Garantir a multiplicidade de mercados é a tônica dos países exportadores; garantir a multiplicidade de fontes é a tônica dos países importadores de energia. Ninguém quer depender de um único parceiro. É a festa da amizade colorida, em que a ideologia fica submetida aos interesses econômicos e estratégicos. O que resulta na "explosão do multilateralismo."

A Arábia Saudita não pede para ver a carteirinha de democrata dos chineses antes de vender petróleo ao país. O Japão não pede para ver a carteirinha de democrata de Vladimir Putin antes de comprar petróleo russo. Os Estados Unidos não pedem para ver a carteirinha de democrata dos militares que mandam na Nigéria antes de comprar petróleo do país. Mas tem gente querendo que o Brasil peça carteirinha de democrata ao Hugo Chávez antes de inundar a Venezuela com manufaturados - já é o sexto maior importador de produtos brasileiros. Esta é a realidade brutal e sem hipocrisia do comércio internacional. Um dia o Chávez deixa o poder, lá por 2050, mas enquanto tiver petróleo a Venezuela será importante - e tá cheio de petróleo naquela bacia do rio Orinoco.

O consumo de energia dos Estados Unidos cresce. A produção interna não dá conta da demanda por eletricidade e gasolina. O país queima sozinho cerca de 25% da energia global. A dependência americana do petróleo e do gás importados só faz aumentar.

Eles podem trazer gás de qualquer parte do mundo, se quiserem. Mas é mais barato se vier de perto, né mesmo? Ou é por acaso que o Canadá e o México são os maiores fornecedores? É natural que eles fiquem de olho gordo nas reservas da Venezuela, do Equador e da Bolívia.



Eu, se morasse na Casa Branca, também ficaria. O curioso é que tem um monte de brasileiro que se comporta como se morasse na Casa Branca. Tem um probleminha aí: Estados Unidos e Brasil são COMPETIDORES quando se trata de usar a energia da América do Sul.

Será que os Mesquita abririam mão do gás boliviano que esquenta o chuveiro da casa deles, a um custo módico, para que esse gás fosse queimado na casa de algum californiano? A indústria da Califórnia pode pagar algumas vezes mais do que a brasileira para receber o gás natural da Bolívia transportado por navios-tanque. Quanto menos gás relativamente barato a indústria brasileira tiver maior será o uso de outras fontes de energia, com o risco de encarecer produtos, gerar inflação e reduzir exportações. Quem se preparou para queimar gás não pode mudar de idéia de um dia para o outro.

Estou usando a lógica absolutamente capitalista ou vocês acham que dizer isso é ser REVOLUCIONÁRIO? Só no mundo provinciano habitado pelos que freqüentam as mesmas festas, os mesmos restaurantes, as mesmas praias e os mesmos congestionamentos.

Parte do problema do Brasil é aquele capitalista vagabundo, acostumado a sonegar impostos, a fazer contrabando, a ganhar muito vendendo pouco, que não quer se educar, trabalhar ou pensar; ele morre de medo de ser atropelado e quer ajuda do governo para protegê-lo da competição. Esses querem congelar o mundo.

Curiosamente, a ocupação americana do Iraque teve todas as consequências indesejadas pelos mentores da aventura militar: fortaleceu o Irã como poder regional. Um governo iraquiano sem alguma sustentação do Irã é inviável. O Irã fica perto da Índia e da China, que querem o gás e o petróleo do país.

As alianças em torno de interesses específicos se multiplicam: Brasil-Estados Unidos para biocombustíveis, Rússia-Irã para gás e petróleo, China e o resto do mundo, mais os marcianos, para vender e comprar de tudo.

A Rússia amarrou a Europa, especialmente a Alemanha, através do fornecimento de gás. Na Ásia, China e Japão estão disputando a tapa a construção de um oleoduto/gasoduto que cortará a Sibéria. Aquelas linhas pontilhadas são de dois projetos que competem. O Japão prometeu abastecer a Rússia de sushi durante dois séculos se sair o projeto de Nakhodka, que deixa os japoneses na cara do gol, a apenas um dia de viagem de navio. A outra rota levaria gás ou petróleo ao coração industrial da China. É briga de cachorro grande.





O gasoduto que liga a Rússia à Alemanha pelo mar Báltico terá 1.200 km de extensão e vai levar gás para a indústria alemã queimar.

Neste momento, o Brasil é absolutamente dependente do gás da Bolívia. Não adianta fazer beicinho para o Evo Morales. Não é culpa do fulano, nem do beltrano. O gasoduto foi construído durante o governo de FHC. Abastece principalmente a indústria paulista. A idéia de que o Brasil deve isolar Evo Morales é absolutamente bisonha. Não faz sentido político, econômico, nem comercial. Só faz sentido do ponto-de-vista ideológico para os editorialistas do Estadão. É uma questão geográfica, que pode ser resolvida se os Marinhos, os Civita, os Frias e os Mesquita, usando de todos os seus poderes, promoverem a levitação da Bolívia para outro continente. É só olhar o mapa:



A parceria brasileira com os Estados Unidos para a criação de um mercado mundial de biocombustíveis faz sentido. Juntaram logo o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, com o irmão de George W. Bush, o Jeb, uma vez que ninguém faz negócio por lá sem pagar pedágio à família Bush. Os usineiros brasileiros logo vão criar uma nova categoria de trabalhadores, na América Central. Em portunhol, os "almuerzo frio".

A História não acabou. Está só começando. Aproveite antes da terceira guerra do petróleo, que pode ser mundial. Mas vai levar tempo até que seja possível entender quem está com quem, tamanha a vadiagem geopolítica do momento.

Publicado em 22 de novembro de 2007

Faltou dizer o óbvio: a gente sabe que a coligação PSDB/DEM/Partido da Mídia está com os Estados Unidos e não abre. E o deputado do PV que votou a favor da entrada da Venezuela no Mercosul? Será que o Gabeira vai bater nele? Será que o Gabeira vai entrar na lista negra do Jornal Nacional?
Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: