domingo, 19 de outubro de 2008

OBAMA, A INTERNET E A GUINADA À ESQUERDA

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por Jonathan Alter, na Newsweek

O "João, o encanador" de John McCain sem dúvida gostaria de tomar uma cerveja com o "João, meia-dúzia de cervejas" da Sarah Palin. Na verdade, Joe Wurzelbacher não tem licença de encanador e o "João, meia-dúzia de cervejas" é um clichê horrível, mas não importa. Eles são parentes culturais do "João Mediano" que fazia parte da "Maioria Silenciosa" de Richard Nixon no início dos anos 70 e da Maioria Moral do [pastor] Jerry Falwell nos anos 80. Mas as maiorias conservadoras vão e vem. E se as pesquisas são confiáveis, os joões de hoje têm mais em comum com Joe Biden [o vice na chapa democrata]. E milhões deles estão se preparando para fazer aquilo que nunca imaginaram fazer em um milhão de anos -- votar num cara negro que tem Hussein no nome para presidente dos Estados Unidos.

[As referências são a um encanador, o Joe Wurzelbacher, citado por John McCain como possível vítima do projeto econômico de Barack Obama, um pequeno empresário que sofreria aumento nos impostos, o que foi contestado pela campanha democrata. Joe Six Pack é o Zé da Silva americano, muito citado por Palin. "Average Joe" é outra forma de chamar o mesmo personagem]

Mesmo que o João continuar republicano, Barack Obama muito provavelmente vai vencer. Isso porque ele construiu uma ampla base de não-joões, brancos jovens, assim como mulheres e minorias. Esses eleitores são o futuro do eleitorado e são progressistas. Se eles comparecerem no número esperado [o voto nos Estados Unidos é facultativo] isso poderia reestruturar a política americana por uma geração.

Para todas as mudanças estatísticas, a análise da composição do eleitorado americano nos últimos 50 anos permanece relativamente simples. Cerca de 40% dos eleitores são democratas (liberais ou não), 40% são conservadores republicanos (um termo que está perdendo coerência) e o formato de nossa política é determinado pelos 20% que ficam no meio, especialmente os que se definem como independentes.

Desde 1980, temos vivido num país de centro-direita, mas agora somos centro-centro e a caminho da esquerda. Mesmo que McCain conseguir uma vitória de surpresa, o Congresso democrata empurraria o republicano para a esquerda em questões como energia alternativa e impostos (e o plano de saúde dele chegaria morto ao Congresso). Se Obama vencer, vai pressionar forte por sua plataforma mesmo, dizem assessores, ao custo de se tornar presidente de apenas um mandato. O governo seria [por causa do controle democrata do Congresso] um teste de execução de metas.

Se Obama se mover para a "esquerda inteligente" no ano que vem, terá sido bem sucedido em reescrever o "contrato social" dos Estados Unidos -- as obrigações do governo com o povo na economia, energia, saúde e educação. Mas se assistirmos ao renascimento da esquerda boba, com a capitulação diante de interesses especiais e uma série de erros de estreante em política externa, mesmo uma vitória democrata no mês que vem será apenas um obstáculo na rodovia de Ronald Reagan [o presidente que deu a guinada à direita nos anos 80].

A maioria dos eleitores não é cabeça-de-Limbaugh [uma versão menos porca do Reinaldo Azevedo], nem ativistas do ACORN [uma ong liberal]. Eles são centristas pragmáticos que decidiram gostar de Obama mais porque ele os lembra de Will Smith do que de Jesse Jackson. Eles gostaram do fato de que Obama tentou acalmar o medo do eleitorado, não insuflar a raiva. Mas essa eleição é mais do que uma questão de temperamento. Quando o povo tem medo, seja pós-11 de setembro ou a caminho de uma recessão, corre atrás da proteção do governo. Questões culturais como o casamento gay ou o ressentimento contra as elites somem. Mesmo que as pessoas acreditem em Washington tanto quanto em Wall Street, só têm uma opção.

A questão para um novo presidente não será se muda muito rápido, mas muito devagar. O teste se torna se ele é capaz de usar os poderes do governo para agir em nome do povo americano. Essa é uma idéia fundamentalmente liberal.

Obama é sortudo. Se o colapso de Wall Street tivesse acontecido em 2009, não em 2008, teria muito mais dificuldade para mudar o centro de gravidade político. O fato criticamente importante na plataforma de Obama é que um republicano conservador (presidente Bush) é quem essencialmente nacionalizou os bancos com mais de um trilhão de dólares em dinheiro público. Isso causa descrédito nos argumentos do Partido Republicano contra gastos públicos, mas também sobre o papel do governo, que é o que separa liberais e conservadores em questões domésticas. Se Obama oferecer um orçamento grande no ano que vem, será visto como justo, mais do que como irresponsável.

Em todos os eventos de campanha na semana passada, McCain atacou o que Obama disse a João, o encanador, de que "espalharia a riqueza". No antigo mundo da centro-direita, uma idéia como essa seria ofensiva para muitos eleitores por soar socialista -- tomar dinheiro do contribuinte e colocar no bolso de outra pessoa. Mas a guerra fria acabou (tirando a força dos gritos de "socialismo") e muito mudou no último mês. Usar dinheiro do contribuinte para salvar banqueiros incompetentes e ganaciosos também é "espalhar riqueza". Os eleitores começam a se dar conta de que se os bancos que correm o risco de falir merecem ajuda do governo, talvez pessoas que correm o mesmo risco também merecem ajuda.

Jon Meacham está certo quando diz que pela medida dos países europeus, seremos sempre um país conservador. Mas em casa a norma não tem sido consistentemente conservadora ao longo do século 20. Na verdade, a nação foi mais de centro-esquerda. Os democratas controlaram a Câmara dos Representantes -- a Casa do Povo -- por seis décadas entre 1930 e 1994 (com uma exceção curta). Embora muitos democratas fossem conservadores do Sul, acabaram engolindo legislação progressista que daria para engasgar um elefante.

Quando o Partido Republicano finalmente obteve controle completo do Congresso, em 1994, o que fez? O reino de Tom DeLay não foi conservador no sentido que Edmund Burke reconheceria. Ele liderou um bando de republicanos radicais que para todos os efeitos fechou o Congresso para intervir no caso de uma mulher com morte cerebral na Flórida -- um evento que será lembrado como ponto alto do poder teocrático nos Estados Unidos.

Em nível presidencial, dois republicanos, Dwight Eisenhower e Richard Nixon, deixaram todos os programas do New Deal no lugar e acrescentaram iniciativas próprias que se parecem com a plataforma democrata de 2008. (O sistema de rodovias de Eisenhower foi a mãe de todos os projetos de infra-estrutura. E o Nixon nos deu a Agência de Proteção Ambiental - EPA). Todas as tentativas republicanas de derrubar a Previdência -- o grande emblema doméstico do liberalismo -- fracassaram por grandes margens, entre 1936 e 2005. Apesar de toda a conversa, Ronald Reagan fracassou na tentativa de reduzir o tamanho do governo, muito menos desmantalar o estado de bem estar. Os acólitos dele foram bem sucedidos na cruzada semântica contra a palavra "liberal", embora atacar os "liberais" hoje em dia não tem mais poder político em qualquer estado grande, a não ser no Texas.

A teoria Schlesinger dos ciclos da História faz sentido. No último século, nos movemos em ciclos de 30 anos, da Era Progressista para o laissez-faire dos anos 20, do New Deal para os anos de Reagan. Na verdade o timing do Arthur Schlesinger errou um pouco. Ele localizou a última explosão de liberalismo na metade dos anos 60, por isso esperava um renascimento nos anos 90. Mas a era conservadora começou na verdade em 1978, quando o deputado William Steiger conseguiu a aprovação do corte no imposto sobre ganhos de capital de 50 para 25%. Estamos 30 anos depois deste evento.

Isso significa que continuaremos na centro-direita se não houver a retomada dos impostos em níveis confiscatórios? Dificilmente. O fato de que os democratas já não são estúpidos para pegar a rota do Walter Mondale e prometer aumentar os impostos de todos não significa que vão perder o debate ideológico. Na verdade, Obama neutralizou ou mesmo virou em seu favor a questão de cobrar impostos dos ricos, que um dia foi desprezada como "guerra de classes". E com os comentários duros de Obama de que vai bombardear o Paquistão, se necessário, para matar Osama bin Laden, acabou a era quando a promessa de defender militarmente os Estados Unidos era província exclusiva do Partido Republicano.

A História não se repete, mas pode nos remeter a outros períodos. Nos anos 20, os americanos essencialmente acreditavam que o setor privado poderia resolver qualquer problema. Depois do início da Depressão, o Congresso ainda era impopular, tanto quanto hoje. Mas assim que Franklin D. Roosevelt foi eleito em 1932 e em seus primeiros 100 dias de governo provou que poderia enfrentar o problema, o centro mudou para a esquerda. Embora a Depressão tenha levado mais oito anos para terminar, o povo americano sentia que o governo estava do lado dele.

A revolução de Reagan nos anos 80 foi tão marcante que condicionou uma geração a acreditar que era permanente. Muitos estudiosos chegaram a acreditar que o Partido Republicano tinha uma tranca na presidência -- uma vantagem geográfica insuperável no Colégio Eleitoral. As vitórias de Bill Clinton em 1992 e 1996 não mudaram muito o mapa; ele venceu as duas vezes com menos de 50% dos votos, graças à presença do independente Ross Perot em ambas.

A plataforma de Perot -- de reduzir o déficit -- se tornou a de Clinton. James Carville [o marqueteiro] brincou que gostaria de nascer reencarnado como mercado, já que Wall Street recebeu toda a atenção amorosa do governo Clinton. A estratégia deu certo: o orçamento foi equilibrado (em parte através dos aumentos de impostos do presidente George H. Bush) e a economia cresceu. Mas Clinton acabou um pouco como o personagem do poema Miniver Cheevy, de Edward Arlington Robinson. Miniver sentiu que nasceu muito tarde para o Camelot do Rei Artur; Clinton sentiu o mesmo em relação ao Camelot dos anos 60.

Agora estamos de novo diante de um grande déficit -- uma receita para um presidente democrata praticar um programa liberal. Mas o contexto político mudou, o que daria a um presidente Obama mais margem de manobra. Em vez de um Congresso democrata sem combustível depois de 40 anos no poder, como Clinton enfrentou, Obama teria aliados no Congresso determinados a provar que podem enfrentar os problemas de uma maneira forma prática. Em vez de uma dedicação quase religiosa às idéias libertárias de Alan Greenspan, estamos a caminho de uma economia neo-Keynesiana. E em vez da oposição cerrada de um novo meio de comunicação (o rádio, dominado pelos republicanos), Obama teria o apoio de mais de 2,5 milhão de pessoas que contribuiram com a campanha dele na internet e poderia usar a rede para mobilizá-los em defesa de seu programa de governo.

Se vencer, Obama pode se dar mal de mil maneiras no ano que vem. Ele terá de ter a mesma destreza que demonstrou durante a campanha, e mais. Se fracassar, o país voltará à centro-direita. Mas se ele acertar em algumas coisas importantes no primeiro ano, Barack Obama terá a possibilidade de colocar o país em um novo lugar, ou pelo menos num lugar em que não esteve em anos recentes. À esquerda!

Fonte: Vi o Mundo

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