quinta-feira, 16 de outubro de 2008

"O GLOBO" DEFENDE "O DIREITO DE SABER"

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O DIREITO DE SABER

O povo brasileiro não está acostumado a ver desnudar-se a seus olhos a vida particular dos homens públicos.

O povo brasileiro também não está acostumado à prática da Democracia.

A prática da Democracia recomenda que o povo saiba tudo o que for possível saber sobre seus homens públicos, para poder julgar melhor na hora de elegê-los.

Nos Estados Unidos, por exemplo, com freqüência homens públicos vêem truncada a carreira pela revelação de fatos desabonadores do seu comportamento privado. Não raro, a simples divulgação de tais fatos os dissuade de continuarem a pleitear a preferência do eleitor. Um nebuloso acidente de carro em que morreu uma secretária que o acompanhava barrou, provavelmente para sempre, a brilhante caminhada do senador Ted Kennedy para a Casa Branca - para lembrar apenas o mais escandaloso desses tropeços. Coisa parecida aconteceu com o senador Gary Hart; por divulgar-se uma relação que comprometia o seu casamento, ele nem sequer pôde apresentar-se à Convenção do Partido Democrata, na última eleição americana.

Na presente campanha, ninguém negará que, em todo o seu desenrolar, houve uma obsessiva preocupação dos responsáveis pelo programa do horário eleitoral gratuito da Frente Brasil Popular de esquadrinhar o passado do candidato Fernando Collor de Mello. Não apenas a sua atividade anterior em cargos públicos, mas sua infância e adolescência, suas relações de família, seus casamentos, suas amizades. Presume-se que tenham divulgado tudo de que dispunham a respeito.

O adversário vinha agindo de modo diferente. A estratégia dos propagandistas de Collor não incluía a intromissão no passado de Luís Inácio Lula da Silva nem como líder sindical nem muito menos remontou aos seus tempos de operário-torneiro, tão insistentemente lembrados pelo candidato do PT.

Até que anteontem à noite surgiu nas telas, no horário do PRN, a figura da ex-mulher de Lula, Miriam Cordeiro, acusando o candidato de ter tentado induzi-la a abortar uma criança filha de ambos, para isso oferecendo-lhe dinheiro, e também de alimentar preconceitos contra a raça negra.

A primeira reação do público terá sido de choque, a segunda é a discussão do direito de trazer-se a público o que, quase por toda parte, se classificava imediatamente de 'baixaria'.

É chocante mesmo, lamentável que o confronto desça a esse nível, mas nem por isso deve-se deixar de perguntar se é verdadeiro. E se for verdadeiro, cabe indagar se o eleitor deve ou não receber um testemunho que concorre para aprofundar o seu conhecimento sobre aquela personalidade que lhe pede o voto para eleger-se Presidente da República, o mais alto posto da Nação.

É de esperar que o debate desta noite não se macule por excessos no confronto democrático, e que se concentre na discussão dos problemas nacionais.

Mas a acusação está no ar. Houve distorção? Ou aconteceu tal como narra a personagem apresentada no vídeo? Não cabe submeter o caso a inquérito. A sensibilidade do eleitor poderá ajudá-lo a discernir onde está a verdade - e se ela deve influenciar-lhe o voto, domingo próximo, quando estiver consultando apenas a sua consciência.

EDITORIAL PUBLICADO EM O GLOBO NO DIA 14 DE DEZEMBRO DE 1989, QUINTA-FEIRA, DATA EM QUE LULA E COLLOR TRAVARAM O DEBATE FINAL ANTES DO SEGUNDO TURNO, EM 17/12/89

Fonte: Vi o Mundo

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