quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Guimarães: novo ombudsman da Folha transforma cargo em piada

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por Eduardo Guimarães

Meus leitores mais antigos sabem que não tenho problemas para reconhecer meus enganos. Pelo contrário: faço questão de reconhecê-los, até para me diferenciar dos jornalistas profissionais que acham que não podem reconhecer nunca seus erros porque acreditam que jornalista que reconhece que erra, perde credibilidade.

Essa é uma das maiores bobagens que cometem os profissionais da informação. Perde credibilidade quem quer vender a idéia de que é infalível, pois um curso de jornalismo não coloca ninguém acima das debilidades humanas.

A questão na qual me omiti foi a de analisar criticamente o trabalho do atual ombudsman do jornal Folha de São Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva. Misturei a responsabilidade que assumi ao criar este blog com as nuanças emocionais de minha pessoa física.

No começo de abril deste ano, a Folha coagiu seu ombudsman de então, o jornalista Mário Magalhães, a deixar o cargo, porque suas críticas ao jornal estavam se tornando cada vez mais contundentes.

O escândalo da vez que a mídia usava para tentar desgastar o governo Lula era o do “dossiê” anti-FHC, outro escândalo fabricado tal qual o do grampo do presidente do STF, Gilmar Mendes, e Magalhães pôs o pé na porta criticando a irresponsabilidade do jornal, que apresentava suposições como se fossem fatos.

Magalhães, que já vinha se indignando valendo-se de uma coragem surpreendente, publicou uma coluna na internet que foi a gota d’água para a Folha. Dois dias depois, o jornal coagiu Magalhães a se demitir ao extinguir sua “crítica interna” na internet – que representava cerca de 80% de seu trabalho, segundo o próprio ombudsman – sob o argumento de que “políticos estavam usando as críticas do ombudsman contra o jornal”. O jornalista não aceitou ter seu trabalho mutilado e se demitiu.

Para o lugar de Magalhães foi escolhido Carlos Eduardo Lins da Silva, de quem eu apenas começava a conhecer o trabalho, pois, havia pouco, ele passara a mediar o programa Roda Viva, da tevê Cultura.

É evidente que o público recebeu mal a substituição de Magalhães por Lins da Silva. A própria Folha teve que publicar uma enxurrada de cartas de leitores criticando o verdadeiro estupro jornalístico que o jornal praticou ao empurrar Magalhães para a demissão só porque ele estava levando a sério o cargo para o qual fora escolhido.

Coincidentemente, eu havia criticado Lins da Silva com dureza poucos dias antes de ele ser nomeado ombudsman. Critiquei por conta de sua atuação no programa Roda Viva, por ter permitido que o chanceler Celso Amorim fosse desrespeitado por vários entrevistadores, sobretudo por Demétrio Magnoli, que, durante a entrevista, cassou a palavra do entrevistado para atacar a política externa do governo Lula.

Lins da Silva assumiu o posto de ombudsman pegando bem leve, materializando o objetivo da Folha ao substituir Magalhães. E eu, claro, estava sendo um dos críticos mais duros do novo ombudsman, dizendo que sua atuação não estava me surpreendendo por conta do que tinha visto dele no Roda Viva.

Todavia, Lins da Silva me surpreendeu. Alguns dias depois de assumir o cargo, enviou-me e-mail convidando-me para visitá-lo na Folha a fim de “dirimirmos” minhas “dúvidas” sobre sua atuação no Roda Viva. Ele dizia que as críticas que lhe fiz não procediam e que gostaria de assistir comigo o vídeo da entrevista do chanceler Amorim para “analisarmos juntos” sua mediação do programa.

Achei uma excelente oportunidade para ouvir “o outro lado” e manifestar minhas discordâncias de forma clara e civilizada. E lá fui eu à sede da Folha, na mesma alameda Barão de Limeira na qual, meses antes, eu havia promovido manifestação contra a mídia que deu origem ao Movimento dos Sem Mídia.

Gravei minha conversa com Lins da Silva e a reproduzi neste blog. E mantive minhas críticas à sua atuação no Roda Viva. Ele discordou. Então, transcrevi os trechos do programa em que ele deveria ter atuado para garantir a palavra ao chanceler brasileiro.

Poucos dias depois, Lins da Silva voltou a me surpreender ao me convidar para almoçar. Fui recebido amistosamente. Conversamos durante horas sobre a mídia. Depois disso, almoçamos juntos mais duas vezes e em ambas conversamos também por horas a fio.

Quero lhes explicar uma coisa: quando se conhece alguém pessoalmente e se é tratado pela pessoa de forma amistosa, simpática e respeitosa, como Lins da Silva me tratou, fica-se meio “sem jeito” para criticar a pessoa.

Lins da Silva é uma pessoa inteligente, simpática e cativante. Por isso, fiquei retraído para criticá-lo. Escrevi outras vezes sobre nossas conversas e, como alguns leitores deste blog fizeram críticas a ele que esbarraram no insulto, fui ficando cada vez mais inibido para criticar sua atuação, pois estava expondo alguém que me tratava com deferência surpreendente. E como começou seu trabalho fazendo algumas críticas justas à Folha, fiz até algumas defesas dele.

Ocorre que, nos meses seguintes, apesar de mantermos contatos periódicos e de termos nos encontrado outras vezes, seu trabalho foi se tornando cada vez mais “chapa-branca”. Ele foi mostrando que a Folha pôs um ombudsman totalmente “domesticado” no cargo.

Qualquer comparação entre o trabalho de Lins da Silva com os de seus antecessores Bernardo Ajzemberg, Marcelo Beraba e Mário Magalhães revelará como a Folha tornou um cargo que tinha alguma seriedade numa flagrante e escandalosa mentira, pois o novo ombudsman vem se omitindo escandalosamente diante de práticas do jornal que fariam corar qualquer jornalista que honre o juramento que fez ao se formar.

Agora, diante dessa questão candente da propaganda burra do PT contra Gilberto Kassab no horário eleitoral, apesar do erro descomunal do partido que já rendeu a ele condenação na Justiça Eleitoral que irá prejudicar sobremaneira Marta Suplicy, a Folha embarcou descaradamente na campanha do candidato do PFL.

O jornal se calou vergonhosamente no passado sobre os ataques que o hoje governador José Serra fez a Marta em 2004, durante a disputa anterior da prefeitura de São Paulo, ataques que em nada perdem para o ataque petista à vida íntima de Kassab neste ano e que, inclusive, superam esse ataque de longe. Agora, a Folha desencadeou a maior campanha da imprensa brasileira contra Marta Suplicy, num processo patético de indignação seletiva.

A seção de cartas de leitores da Folha tem feito ataques grosseiros, pérfidos, preconceituosos e machistas a Marta. Todas as cartas de leitores, com exceção de duas notinhas isoladas, têm sido no sentido de debochar e de desacatar a ex-prefeita por meio de frases que mandam que ela “relaxe e goze” e aludindo até ao uso de botox por ela.

Os colunistas todos atacam a prefeita incessantemente com uma indignação seletiva e inédita, que jamais usaram quando a vida íntima da prefeita foi devassada à exaustão naquele jornal. O noticiário e os textos opinativos tornaram-se uníssonos. Não há espaço para o contraditório. A Folha está massacrando Marta.

Diante da omissão escandalosa de Carlos Eduardo Lins da Silva ante o jornalismo vil que a Folha vem praticando, escrevi uma crítica a ele no último domingo, quando ele chegou ao cúmulo de criticar os leitores do jornal por não estarem ajudando, com suas cartas, a criar pânico diante da crise internacional.

Não critiquei Lins da Silva porque ele me fez alguma coisa. Aliás, quando publiquei aqui aquele primeiro post contendo crítica dura ao PT pela propaganda equivocada que o partido fez sobre a vida íntima de Kassab, o ombudsman, que a leu aqui no blog, enviou-me e-mail cumprimentando-me pelo texto.

Não rompi “amizade” alguma com Lins da Silva, como me disseram leitores em e-mails, até porque não cheguei a me tornar seu amigo de verdade. Amigos são aqueles que têm uma intimidade que, até por falta de tempo, eu e ele jamais desenvolvemos. Somos conhecidos, apenas.

Não posso, pois, continuar a me omitir da obrigação que tenho de criticar o trabalho de Lins da Silva. Ele está provando que a Folha escolheu um títere para o lugar do corajoso Mário Magalhães, transformando o cargo de ombudsman numa piada.

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