segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Bilhões de dólares para salvar os bancos. E só os bancos

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Por José Antonio Gurriarán

“Achamos que é uma vergonha se conseguir milhares de milhões de dólares para salvar os bancos e não haver dinheiro para erradicar a pobreza no mundo”, disse Marina Navarro, porta-voz na Espanha de aproximadamente mil organizações solidárias mobilizadas na sexta-feira passada.

“Podemos entender determinadas medidas para sair da crise econômica provocada pelas entidades financeiras dos Estados Unidos, mas estamos redondamente contra isso ser feito a custa do aumento da fome, da pobreza e da desigualdade no mundo”, disse a representante da Aliança Contra a Pobreza.

Esta afirmação foi feita em Madri por ocasião da celebração do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, instaurado pela Organização das Nações Unidas em 1993 e que nesta oportunidade foi dedicado a avaliar os avanços, ou não, rumo aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A aliança, formada por organizações da sociedade civil como sindicatos, associações de moradores, instituições religiosas e outras, estenderam a mobilização por “toda a semana em toda a Espanha” no denominado Chamado Mundial à Ação Contra a Pobreza (GCAP), cujo lema este ano é “Levante e Aja”.

“Longe de serem cumpridos os Objetivos, o número de pobres no planeta aumentou em 50 milhões, superando a casa dos 900 milhões”, disse a ativista em referência aos resultados do primeiro dos oito compromissos com data-limite em 2015 assumidos pelos governos em 2000 na ONU. Os ODM, que tombam por base os dados de 1990, também incluem objetivos em matéria de saúde, educação, igualdade de gênero, meio ambiente, desenvolvimento sustentável e comércio internacional.

“Sei que é uma palavra muito dura, mas não encontro outra: Não é uma vergonha salvar a crise dos bancos dos Estados Unidos custar US$ 700 bilhões, cinco vezes mais do que a ONU aprovou para atingir os Objetivos do Milênio?”, perguntou Navarro. Praticamente, todas as capitais de província de grandes cidades espanholas viveram intensamente os últimos dias, especialmente o final de semana, com a campanha de mobilização da Aliança Contra a Pobreza, cujo objetivo fundamental é alertar para que em 2015 se tenha reduzido pela metade a porcentagem de pobres e indigentes que em relação aos que havia em 1990.

Em termos gerais e graças ao crescimento econômico, as regiões em desenvolvimento, especialmente no continente asiático, conseguiram um crescimento constante e sua taxa de pobreza baixou de 80% para 20% nos últimos 25 anos. Por outro lado, o número de crianças menores de 5 anos desnutridas, nestas regiões, passou de 33% em 1996 para 26% em 2006. “Isso é verdade e convém destacar como um progresso extraordinário. Também é exemplar o caso de Moçambique, um dos países com mais problemas econômicos do mundo, que reduziu sua pobreza ate chegar a 10% de sua população, graças a uma política social muito ativa e a países doadores como Alemanha, Espanha, Grã-Bretanha e Holanda”, disse Navarro. Porém, acrescentou, “na África subsaariana metade da população continua vivendo com menos de US$ 1,25 por dia, em média, quantia que, segundo o Banco Mundial, não é alcançada nesta e em outras regiões pobres por cerca de 1,4 bilhão de seres humanos”.

Centenas de milhares de manifestantes percorreram as principais cidades espanholas denunciando esta situação. Na grande marcha de sexta-feira em Madri, cartazes e discursos destacaram outra preocupação não menos angustiante, que é a distribuição desigual da riqueza em níveis regional, nacional e entre países. O porta-voz da Coordenadora das Nações Unidas para o Milênio, David Ortiz, é outro que trabalhou intensamente nos últimos dias para que a campanha pela sensibilização da sociedade espanhola contra a pobreza e a fome no mundo tenha êxito.

“É de sangrar o aumento das desigualdades na medida em que aumenta a riqueza e que, longe de cumprir as metas de 2015, em muitos casos se afastem”, disse este ativista considerado um especialista no assunto, que acompanhou no dia 26 de setembro em sua viagem à ONU o primeiro-ministro espanhol, José Luís Rodríguez Zapatero. “Na América Latina cresceu consideravelmente a renda média nos últimos anos, mas também aumentou a pobreza e há situações de desigualdade que precisam ser corrigidas”, acrescentou Ortiz. Na África, cada dia há mais seres humanos extremamente pobres, enquanto uns poucos se tornam extremamente ricos. “São situações intoleráveis”, ressaltou.

A marcha de Madri recordou ao governo de Zapatero sua promessa programática de chegar a 2011 com 0,7% do produto interno bruto espanhol dedicado à assistência ao mundo em desenvolvimento. Ortiz admitiu que a situação mudou desde que os socialistas estão no governo na Espanha, mas, ainda “precisa melhorar mais”, acrescentou. “Antes (no governo anterior do centro-direitista Partido Popular) a ajuda era de 0,2%, agora cresceu para 0,4% e parece que passará de 0,5% nos orçamentos a serem aprovados nos próximos dias”, afirmou. Mas, é preciso chegar a 0,7% do PIB o mais rápido possível, tanto na Espanha como em outros países, porque a situação é angustiante, pois milhões de crianças e idosos passam necessidades ou morrem de fome”, alertou. (IPS/Envolverde)

Fonte: Revista Fórum

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